Divagações, Vinhos

O que é vinho?

De acordo com o dicionário, vinho é “a bebida alcoólica resultante da fermentação total ou parcial do suco ( mosto ) de uvas frescas”. Só isso ? Pois é. Teoricamente vinho é suco de uva fermentado.

Isso acontece por causa da fermentação alcoólica. É ela que transforma o suco em vinho propriamente dito. As leveduras (um tipo de fungo) se alimentam do açúcar contido no mosto, liberando gás carbônico, energia e álcool. E daí a mágica está feita. Aquele suco de uva meio docinho de repente fica seco e alcoólico. Mais simples do que muita gente imaginava. Afinal, vinho não passa de um alimento fermentado – como os queijos, pães, legumes ou verduras lactofermentados e etc., alimentos que dependem de processos naturais e de seres vivos – sejam eles bactéricas, leveruras, fungos, para existirem.

Fermentar alimentos talvez seja uma das coisas mais antigas que a gente faz – pelo menos desde que a gente teve a brilhante idéia de plantar e preparar nossa comida. A família é grande. Cerveja, missô, puba, kefir, kombucha, saquê, kimchi, shoyo, cidra, hidromel, iogurte, charcutaria, queijos. As fermentações acompanham a humanidade desde que a gente se conhece por gente, e hoje são considerados como métodos ou técnicas “ancestrais” ou “tradicionais”. Mas no fundo, as fermentações, na maioria dos casos, sempre ocorreram de maneira expontânea – afinal as leveduras estão aí em toda parte, gente. É só esmagar a uva que ela já começa a fermentar. É só misturar água no mel ou água na farinha que eles começam a fermentar. O homem ao longo do tempo foi vendo que isso, além de ser uma ótima opção de conservação dos alimentos frescos – imagine, queijo é fermentação, e uma maneira de conservar o leite fresco.

Vinho é uma maneira de conservar as uvas frescas, cerveja é uma maneira de conservar grãos frescos, lactofermentação é uma maneira de conservar legumes frescos. Só que além disso também fomos percebendo que isso tornava os alimentos mais gostosos e em muitos casos, mais digestos: além de no vinho ter o barato do grau alcoólico, claro.

Falando assim o vinho vira até uma coisa simples, mais fácil de entender e com mais cara de comida do que a gente está habituado. Parece até que a gente mesmo poderia fazer em casa. Pois é. Isso é vinho. O resto é que não é.

Todo o resto que achamos que é vinho, hoje em dia, que maioria considera “vinho”, ou “vinho normal”, aquele que encontramos normalmente nas prateleiras dos supermercados, nas pontuações de revistas, nas lojas, nos restaurantes…. faz tempo que não é só uva fermentada. O que a maioria considera normal, hoje, são vinhos que não passam de um produto industrial alimentício.

 

“A agricultura industrial é baseada no conceito da guerra: literalmente, se usam os mesmos químicos que se usaram antigamente para exterminar pessoas, agora para exterminar a natureza. É baseada na percepção de que cada inseto e cada planta é um inimigo em potencial que deve ser exterminado com venenos, buscando sempre meios ainda mais violentos de aniquilação: pesticidas, herbicidas, plantas geneticamente modificadas para suportar pesticidas. Enquanto a tecnologia agrícola violenta cresce, o conhecimento dos ecossistemas e a biodiversidade diminuem.” Vandana Shiva

Da mesma maneira que consideramos a agricultura convencional, baseada em monocultura, agrotóxicos e fertilizantes sintéticos a agricultura “normal” nos dias de hoje – sendo que isso está em vigor a menos de um século e a gente produziu orgânico durante toda nossa vida na terra; a gente hoje em dia também considera vinho “normal” o vinho convencional – aquele feito a partir de agricultura convencional, elaborado e manipulado para o mercado com técnicas enológicas e aditivos – sendo que produzimos vinho de maneira natural desde que as primeiras uvas foram esmagadas.

A agricultura convencional é aquela que a nossa geração e a geração de nossos pais considera a “normal”, em uso mundialmente a mais de meio século, COM MONOCULTURAS baseadaS em fertilizantes químicos & agrotóxicos. TEVE INÍCIO DEPOIS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, NA DÉCADA DE 1950.

O século XX foi o grande século da ciência, o grande século das guerras mundiais, e também o grande século da lavagem cerebral do mundo industrial.

Consideramos hoje em dia “normal” o estilo de vida industrial, e esquecemos que antes da segunda metade do século XX as coisas era bem diferentes, principalmente nas tradições alimentares. Uma vez que paramos de consumir alimentos e começamos a nos nutrir de produtos industriais alimentícios, perdemos a conexão com a origem dos alimentos. E há quem diga que também com a gente mesmo.

“QUANDO USAMOS ADUBO QUÍMICO CRIAMOS UM SOLO ARTIFICIAL, QUE DARÁ ORIGEM À ANIMAIS ARTIFICIAIS, QUE CRIARÃO PESSOAS ARTIFICIAIS, QUE SÓ CONSEGUIRÃO SUSTENTO DE COISAS ARTIFICIAIS” Sir Albert Howard

 

No vinho não é diferente. Tanto que muita gente ainda acha que vinho é “natural”, pois “em da uva”. E não tem a menor idéia de como é feito um vinho industrialmente, a quantidade de aditivos sintéticos, técnicas enológicas, conservante, e a agricultura invasiva da maioria das vinícolas. Isso sem contar toda a reflexão sobre autenticidade e terroir. É meio que esquecermos o gosto de uma laranja pois nos habituamos a só tomar suco de laranja de caixinha. Bom, mas é meio isso mesmo que aconteceu com nossa alimentação no geral, não?

O que aconteceu com a industrialização da comida foi exatamente o que aconteceu com o vinho. Passamos de plantar, colher e cozinhar produtos locais para se abastecer de produtos já prontos em supermercados. Muito se adicionou, muito de modificou e muito se perdeu nos alimentos. Perdemos variedades, perdemos texturas, perdemos densidade nutricional – em prol de um sistema Agricola baseado em grande escala, produtividade e insumos agroquímicos.

O que antes era uma profusão de vinhos familiares, feitos de forma rudimentar e bastante próxima ao natural, foi se tornando parte de um comércio que hoje é industrial. Os vinhos são realmente “fabricados” dentro das vinícolas. As plantações são monoculturas extensivas tratadas com insumos químicos. O vinho é feito à base de modificações de cor, fermentação, adição e retirada de vários componentes, para se transformar em um produto mais aceito pelo mercado, sem margens de risco, padronificado e lucrativo.

Quer comer bolacha recheada industrializada ? Vai em frente. Quer tomar leite de caixinha? Tome. Quer tomar vinho convencional? Seja feliz. Mas saiba o que você está fazendo. Se aprofunde. Veja como são feitos os alimentos e bebidas que você põe pra dentro do seu corpo.

E se eu te falar que aquela ressaca horrível de vinho tem mais a ver com o fato dele ser industrial do que com o álcool propriamente dito? Pois é. Mais pura verdade. Mas pouca gente sabe.

O vinho deixou de ser um alimento para se transformar em um produto alimentício. Assim como nossa comida. Mas cabe a alguns chatos ficarem batendo na tecla, apenas mostrando o que realmente são esses produtos. O que tem, como são feitos.

Todo mundo que se dá conta da quantidade de aditivos e modificações existentes nos produtos industriais – vinhos idem – acaba migrando mais ou menos rápido para produtos orgânicos, artesanais, locais. Para vinhos orgânicos, biodinâmicos, naturais.
A verdade é que com informação, as pessoas sabem fazer as escolhas certas.

O século XX transformou e modificou nossa alimentação, nosso estilo de vida, nossa saúde, nossas relações e nosso modo de ver as coisas. Felizmente a gente já sabe que tomamos o caminho errado e estamos agora tentando consertar.

“Apenas 30% dos alimentos consumidos no planeta vem de fazendas industriais que cultivam em larga escala. Cerca de 70% de todos os alimentos consumidos pela humanidade vem de pequenos produtores, que possuem menos de um quarto de toda a área cultivável do planeta. Mais de três quartos de cultivo são destinadas às fazendas industriais.” Hungry for land: small farmers feeds the words with less than a quarter of all farmland” ; Grain, 28 de Maio de 2014

30/12/2019
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