Vinhos

Petnat de Cajú | Projeto Bret

Eu estou  na piração do cajú faz tempo: mais especificamente na piração dos vinhos de fruta. Todo mundo sabe. E embora eu tenha ido pra minha primeira expedição in loco, pra visitar algumas comunidades que tem cajueiros centenários, agora esse ano… os primeiros testes que fizemos, daquela vez que fermentamos mais de uma tonelada de cajú, foi ano passado.

( eu falo a gente pois nesse projeto dos cajús gente é eu, com a @bret_biritas , meu projeto pessoal de fermentados alcoólicos criados soltos …. e os meninos da @ciadosfermentados  ).

Bom. Desde o início a intenção com esse projeto da Bret foi mapear os locais, utilizar frutas nativas não coletadas por comunidades ou desperdiçados pela indústria ( como os cajús e as castanhas ) e estudar essas fermentações.

Lembro que a primeira vez que pirei no assunto, anos atrás, me perguntei onde estavam as referências de bebidas alcoólicas ancestrais indígenas nossas.

Fui atrás. Eram muito poucas, e a maioria, do período dos primeiros cronistas. Que nem nosso amigo Simão ali de cima. Vinhos de cajú em potes de barro, vinhos de jabuticaba, cauins, aluás e tantos outros que saíram do âmbito indígena para virar cotidiano de colonos e escravizados, naqueles primeiros séculos de Brasil. Isso começou a me fazer pensar muito sobre toda essa questão de como esquecemos das nossas tradições alcoólicas, de como apagamos séculos de história por conta do nosso complexo de vira lata, condições nem sempre tão favoráveis aqui nesse nosso brazilzão de Deus… e claro, da industrialização alimentar.

Decidi que ia entrar mesmo de cabeça nisso depois que eu fui convidada a escrever alguns artigos pra duas revistas gringas, sobre o movimento de vinho natural no Brasil:  @thepreservejournal e @sowingseedsmagazine .

Foi numa época que, coincidentemente ( embora eu não acredite em coincidências ) eu estava bastante desgostosa com o caminho que o movimento do vinho natural tinha tomado no Brasil – com o surgimento de um bando de gente mais preocupada em dar uma nome e um rótulo hipter pros vinhos do que investir em vinhedos e uvas saudaveis.

Lembrando que o movimento do vinho natural é um movimento agrícola e de preservação de cultura e de feitios. Entre outras coisas.

Pensando nisso, da mesma maneira que os 4 franceses doidos que meio que fundaram o movimento do vinho natural em Morgon utilizando frutas nativas ( as uvas autóctones), resgatando os plantios tradicionais ( sem veneno ) e os feitios tradicionais ( sem insumos químicos ), me pareceu que Fermentar nossas frutas nativas, de maneira natural, estava mais dentro do movimento em si do que fermentar uva por uva, usar uvas convencionais da indústria e depois vinificar sem so2, colocar um rótulo bonitinho e vender a preço de ouro ( como alguns bem fazem ).

Deu nisso. Anos depois o projeto Bret. saiu, e com ele várias idéias mirabolantes pra gerar renda onde não existia renda, combater o desperdício e resgatar nossas tradições alcoólicas Brazucas.

Pra fazer esse primeirão, a gente usou cajús de uma produção orgânica de São Paulo, refermentou com hidromel e deixou amadurecendo quase um ano, pra estudar a curva de evolução da bebida. Agora estamos blendando com hidromel pra fazer petnats, blendando com cerveja de fermentação espontânea pra fazer nossas versões de kriek brazuca, e mais um monte de coisa, pra testar, estudar e incentivar mais gente a fermentar nossas frutas.

Especificamente nessa nossa última viagem, que fizemos eu e o Fernando,  da Cia dos Fermentados, a gente foi pra estudar a implantação de um projeto de fermentações alcoólicas de frutas lá no Rio Grande do Norte, em 5 comunidades quilombolas do sertão, em Portalegre.

Não, não é Porto Alegre, é Portalegre, uma cidade serrana a cinco horas de carro de Natal. Pra chegar até lá você cruza todo o sertão, a Paraíba, passa por Caicó, pela cidade de Jesuino Brilhante e pela cidade onde nasceu Zé Ramalho. Recomendo fazer esse trajeto.

A idéia de juntar forças entre a Bret, a Cia dos Fermentados e o Sebrae veio numa feira de queijos aqui em Sampa, onde conheci Adriana Lucena ( uma monstra de conhecimento e culturas do Rio Grande do Norte ).

Papo vai, papo vem, eles toparam entrar na loucura com a gente e desenhar o projeto. Deu nisso que vocês viram nessa última viagem. Talvez o que seja o projeto piloto de implantação de unidades de fermentações alcoólicas de frutas nativas dentro de comunidades quilombolas, pra aproveitar a riqueza das safras de frutas nativas, resgatar os costumes locais de fermentação, gerar renda onde hoje existe desperdício.

São toneladas de cajús, e pra falar apenas dessa fruta, que são desperdiçados por não ter vazão comercial. Se usa a castanha e os cajús ficam no chão, virando “ lama”, como eles bem chamam. Os cajueiros centenários pouco a pouco também estão sendo cortados pra serem substituídos por espécies comerciais mais produtivas, e centenas de comunidades tradicionais brasileiras poderiam ter mais renda, mais dignidade, mais recursos e mais autonomia com a utilização do que hoje em dia é desperdiçado.

Estamos na torcida pra que esse projeto piloto dê certo, e enquanto isso vamos continuar testando nossas loucuras aqui em Sampa, incentivando todo mundo desse Brasilzão a sair da caixa e começar a fermentar suas frutas nativas, seja pra consumo próprio, seja pra comercializar.

Importante lembrar que a gente não é sozinho nesse rolê do vinho de fruta não. Aliás, tem gente que começou bem antes, como o Projeto Seiva, a própria Cia dos Fermentados e todo o povo de São Gonçalo do Rio das Pedras, como Adãozinho, Ademil, o Bruno da Terra Guayi.

Até mesmo na última feira Naturebas já deu pra ver que não estamos sozinhos nessa. Tem um montão de gente usando frutas nativas e fazendo birita. A Neusa de Lucca com seus PetNat de fruta + uva, o Gurita com seus melomel de frutas vermelhas, o  Alquimista da Caatinga com seus espumantes de cajú e cajuína, a Biosabores com seus vinhos de uva + flores.

20/9/2022
Comente Compartilhe
×
Contato

Rua Professor Atilio Inocenti, 811,
Vila Nova Conceição, São Paulo

Telefone:
11. 3846-0384

WhatsApp:
11. 95085-0448

Não aceitamos cheque - Recomendamos reservas antecipadas