Divagações

Causos da Enoteca: o começo de tudo …

Muita gente me pergunta como começou a Enoteca, qual a história, como fui parar no lance dos naturebas e na cozinha. Pois bem. Decidi começar a escrever sobre a Enoteca – os causos, as histórias,  as coisas tristes, as muitas coisas surreais ( sim, nem contanto tem gente que acredita)  e as coisas hilárias. Não se preocupem que eu não vou citar nomes, meus queridos. 

E pra começar, um resumo nostálgico para quem não conhece a história da Enoteca. 

Naturebas: é como nós chamamos carinhosamente os vinhos orgânicos, biodinâmicos, naturais e sem adição de sulfito. Tintos, brancos, laranjas, rosés, espumantes, ancestrais, doces. Hoje, sete anos depois de começarmos nosso projeto, a Enoteca continua sendo único estabelecimento no Brasil a servir exclusivamente esses vinhos, além de não ter mais nenhuma bebida alcoólica na casa. Nossa Feira de Vinhos Naturebas já vai para a terceira edição anual, reunindo produtores, importadores e consumidores na promoção da cultura e informação acerca desse mundo. 

Ao menos não apontam mais de dedo na minha cara nem me chamam de louca à plenos pulmões. Vinho natural no Brasil? Ha-ha-ha. Era o que eu ouvia. Ok, continuam dizendo isso, mas fazem isso de maneira mais discreta, nos dias de hoje. Afinal, o movimento vingou e hoje muita gente já sabe o que é um vinho orgânico, biodinâmico, natural e sem sulfito. Mas pelo rótulo de extremista radical do vinho, continuamos sendo persona non grata nas degustações, nas feiras e nos eventos do meio – os quais, diga-se de passagem, já não somos nem mais convidados faz tempo. 

Muita gente não sabe que o início da Enoteca começou com o maior rombo possível no orçamento, no projeto e na auto estima:  a idéia era ter somente vinhos importados, vendidos somente por nós, todos naturebas. Passei de 2007 a 2009 procurando vinhos. E perdi os meus 4 containers de 40 pés na enchente de Itajaí, em 2009. Todos pagos à vista. Desastre natural, foi o que alegaram – e fiquei sem vinho, sem dinheiro e o sem seguro. 

Foram seis anos trabalhando com o restaurante no vermelho ( limpei meu nome e os protestos só no ano passado ) até conseguir equalizar as dívidas. Afinal, não temos um negócio lucrativo – é pequeno, tem margens baixas, custo alto e produtos desconhecidos. Todo santo réveillon eu brindava com um sorriso amarelo pois existia a possibilidade de fechar a casa. Se não fosse pela ajuda financeira da minha família – que aparentemente é tão louca quanto eu – e dos clientes que se afeiçoaram ao projeto, as portas da Enoteca já estariam fechadas a muito tempo. 

Só quem já teve ou quem trabalha em um restaurante sabe como é desesperador você passar uma noite com a casa vazia. E no final do mês ter a folha para pagar. 

Comecei, em 2009, a trabalhar então com o pouco que tínhamos de vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais aqui no Brasil, das importadoras que existiam. Mas era muito pouco. Comecei com vinícolas pequenas, sustentáveis, com muitas vinícolas brasileiras. E pouco a pouco, com uma importadora surgindo aqui, outra surgindo ali, ano a ano, consegui fazer o que eu queria no início: em 2012 eu já trabalhava exclusivamente com orgânicos, biodinâmicos e naturais, de gente que, como eu, acreditava nesse tipo de vinho.  

Escolhemos pelo caminho mais difícil: não fazer divulgação. Nunca acreditei que a mídia fosse me trazer os clientes e os amigos que me entenderiam. E eu estava certa. Mas é um processo dolorido. Você perde dinheiro, perde forças, passa noites em claro fazendo contas até que os clientes começam a aparecer. Mas quando aparecem, não tem volta. E hoje a maioria dos dias, só atendemos com reservas. 

Da mesma forma, não divulgar nosso trabalho às vezes dói pelo que os outros fazem: uma receita copiada aqui, um “eu fui o primeiro a fazer” ali, e por aí vai. Mas sinceramente, dói nos primeiros cinco minutos. Se fosse pra me preocupar com o mercado, eu teria aberto uma hamburgueria gourmet. Que levem os louros, que digam que foram os primeiros, que copiem as receitas, que façam o diabo. Pra mim sinceramente a cópia ou a calúnia é um tipo de elogio. Meio sacana, mas é um elogio. Não dá pra pedir que todas as pessoas sejam idôneas. 

No meio tempo, a Enoteca, que era para ser somente um bar de vinhos, virou um restaurante. Sim, eu sou formada em gastronomia e em nutrição, e sempre foi minha paixão cozinhar. Mas no começo não pensei que fosse entrar na cozinha nesse projeto, não posso mentir. A idéia era o vinho. Mas o que começou com apenas dois pratos na sexta feira, cresceu para o Sábado. E para quinta. E quando vi, estava servindo comida todos os dias. E quando pisquei os olhos, tinha já assumido o controle das panelas, pois nada melhor do que você mesmo para fazer a comida do jeito que você quer. Hoje faço os cardápios, escolho os ingredientes – todos orgânicos, claro – monto os menus e elaboro os harmonizados. E estou feliz da vida, além do saca rolhas, com a colher de pau na mão. 

Hoje nossa carta tem cerca de 300 rótulos, rotativos, de pequenas e médias importadoras. Só natureba. Com destaque para os vinhos brasileiros: mais de 50 rótulos naturebas nacionais, garimpados nos últimos anos em nossas “caravanas” pelo sul do país. Mas não faltam naturebas da Itália, França, Portugal, Espanha, Chile, Argentina e países desconhecidos pelos brasileiros como Croácia, Marrocos, e Eslovênia. E falar em desconhecidos, temos uma carta específica de vinhos laranjas, para que as pessoas conheçam um pouco mais desse estilo. Uma carta de vinhos doces e de sobremesa também. 

Não nos importamos com selos ou certificação. Preferimos conhecer os produtores e saber que eles estão fazendo vinhos livres, puros, saudáveis e autênticos; por isso mesmo viajamos duas vezes ao ano pelo Brasil e mundo afora, visitando os produtores in loco. 

Nosso preço não vai fazer com que fiquemos ricos vendendo vinho: sempre achamos absurdo as margens cobradas pelos restaurantes, portanto, nossas margens giram entre 20% e 60%, em média, enquanto o mercado aplica na maioria margens acima de 100% sobre os vinhos. Nossa idéia é que as pessoas consumam mais vinho, e não que deixem de consumir. 

Minha cozinha continua sendo uma cozinha caseira: tenho um forno combinado que é meu amor eterno e agora consegui comprar uma máquina de lavar louças. De resto, um forno de 6 bocas, caseiro, e um cooktop de 5. Um microondas. Um balcão refrigerado e duas geladeiras. Nas receitas, gosto de fazer o que eu gosto de comer; não tenho uma linha e não me considero grande cozinheira ou grande chef. Tenho diversas falhas e sou péssima pra fazer diversos pratos. Mas gosto de fazer uma comida que leve um pouco de alma e de saúde. Não gosto de maltratar os ingredientes, não gosto de desprezar as receitas antigas. E não gosto de servir magret bem passado. 

Nos últimos tempos tem sido mais fácil achar animais criados soltos, peixes de pesca, frangos sem hormônio, carnes idem, ovos de granja, legumes e verduras orgânicos. São com eles que faço os pratos. Os pães, todos integrais, feitos por nós, todos os dias. Os cozimentos, gosto dos lentos, no panelão, em fogo baixo. Pra cozinhar é necessário paciência. E tempo. 

Paciência e tempo. Na cozinha, no vinho, em tudo. Acho que foi pela minha meia garrafa de vinho natureba ao dia que consegui a paciência necessária para chegar até aqui. 

Mas confesso que olhando pra trás, e agora que, sete longos anos depois, tudo parece que se encaixa …..  me dá um certo alívio. Um certo alívio por não estar errada. Ou tão errada…rs. Pois tem momentos que até a gente duvida e se questiona se a loucura que os outros apontam não é verdadeira. Se é, pelo menos me trouxe até aqui. E por enquanto, estou bem feliz com isso….. 😉   

14/4/2015
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