NATUREBAS DE PORTUGAL & ESPANHA: viagem pelos naturebas de além mar….
Duas semanas depois de voltarmos da Caravana Natureba pelo sul do nosso Brazilzão, empacotamos as coisas para visitar os naturebas além mar. Destino: Espanha e Portugal.
Eu sei, eu sei, ficou uma viagem em cima da outra. Mas essa passagem já estava comprada a mais de um ano – então o negócio foi pegar as malas, rezar para o Santo dos Fígados Perdidos e cruzar o oceano rumo a mais vinhateiros.
Já tinha “meio” que um roteiro definido. Mas claro que chegando lá um foi indicando um, que foi indicando outro….. e chegou um momento que o roteiro foi por água abaixo. Melhor coisa que podia ter acontecido – conheci pessoas e vinhos maravilhosos. E ainda faltou dia para tanta gente: deixei de visitar muitos amigos e muitos vinhos, que tive que deixar para uma próxima viagem.
Nos próximos dias, colocarei aqui vinhateiro por vinhateiro, para vocês conhecerem um pouco mais deles e de seus vinhos. Todos eles, sem dúvida, pessoas que valeriam a pena conhecer pessoalmente. Vinhos todos, sem dúvida, que valeriam a pena provar.
Voltei mais feliz do que fui para essa viagem: o vinho dito “natural” está brotando em todas as partes do mundo, e é impressionante ver as similaridades de opinião, de conceitos e de concepções de vida de todos eles – e alguns nunca tiveram contato com outros vinhateiros do gênero. O que me dá a impressão de que é realmente uma mudança que tem a ver com nossa época, com a nova geração de vinhateiros, com novas preocupações e com novos conceitos sobre que é vinho, o que é agricultura. Seja o restaurante que planta as coisas que serve, seja o vinhateiro que se muda para a casa ao lado do seu vinhedo, existe um movimento – mesmo que pequeno – dessa volta aos conceitos de terra, da agricultura familiar sustentável e saudável, da não utilização de produtos químicos, do desmascarar as coisas, do tirar os excessos, do tirar a maquiagem.
Me parece que as pessoas – ou pelo menos algumas pessoas – estão já saturadas do que o mundo é hoje: um mundo baseado no artificial, no industrializado, no impessoal. Existe quase uma carência invisível em todos nós por algo que seja mais autêntico, que seja mais sincero, mais próximo, mais quente. Que nos lembre de nossa existência humana e que nos conecte um pouco mais com os outros, com a natureza, e com nós mesmos.
Não é de se espantar que apareçam manifestações em relação à isso. Na maneira de viver, na alimentação, e claro, no vinho. Mas para quem acha que tudo é alegria no mundo do vinho natureba, se engana.
A maioria dos vinhateiros são homens ligados ao campo, agricultores – e não “donos de vinícola” como alguns ainda pensam. A realidade é totalmente outra. Muitos passaram a infância produzindo uvas, vendendo mosto para cooperativas e trabalhando exaustivamente na terra. Esses vinhateiros cultivam a terra, acompanham o ciclo da natureza, e mais do que qualquer selo, fazem uma agricultura tradicional baseada em conhecimentos antigos e regionais.
Vinho natural é um estilo de vida – e não das mais fáceis. É uma luta diária com o governo, com o sistema enológico, com o mercado e com os clientes. A maioria produz seu vinho e exporta a maior parte – pois a gente de seu próprio país é a última a entender e consumir seus vinhos. Muitas das práticas são ilegais ou limitantes ( pé franco, exportação sem sulfito para alguns países, comercialização, etc, etc.). Muitas vezes sobra vontade mas falta dinheiro, apoio político, apoio do mercado. A máquina industrial é muito mais forte do que imaginamos – e a questão toda do vinho natural não é apenas da saúde do consumidor ou modinha hipster: é também preservar ( ou tentar resgatar ) a saúde de um sistema agrícola que está desaparecendo, que é a linha tênue da nossa conexão com a terra, com os alimentos, com a saúde no seu modo mais amplo: o sistema agrícola baseado na família, no pequeno produtor, na sustentabilidade, na dignidade dos agricultores, na produção sã, sem venenos ou grandes intervenções.
Para mim, essa necessidade da volta ao autêntico tem duas vertentes: a boa, das pessoas que fazem isso por conceito, pois já viram que o resgate de certas coisas é a única saída para muitos dos males atuais. A má, das pessoas que se deixam levar por um falso conceito de autenticidade. Isso pode ter até um efeito negativo sobre a questão dos vinhos naturais, que na minha opinião, já está acontecendo: o uso desse conceito do “autêntico”, do “confort”, do “volta às origens” – mas sem a veracidade que justificaria fazer este tipo de vinho. Explico: vinhos sem sulfitos mas industriais, retirados por filtros, por exemplo. Vinhos biodinâmicos em larga escala que só reproduzem as regras sem pensar sobre elas. Vinhos orgânicos certificados que podem colocar tantos insumos enológicos quanto os convencionais. Degustadores que agora tomam vinho natural pois está na modinha ou porquê alguns vinhateiros são “cult”. Restaurantes que se gabam por colocar dois rótulos de vinho orgânico mas não reciclam seu lixo. E por aí vai.
Manifestos à parte, aqui vai uma prévia do que terá no blog nas próximas semanas.
E termino com o que um dos vinhateiros me disse sobre seus vinhos e sobre os vinhos naturebas em geral: mais do que qualquer termo, natural, puro, autêntico – pois tudo pode ser revertido em marketing, em especulação, em palavreado vazio – esses vinhos são LIVRES.
Saúde!
José Miguel, Bodegas Marenas, Montilla & Moriles, Espanha
Matheus Nicolau de Almeida, Muxagat Vinhos, Douro, Portugal
Antonio Lopes Ribeiro, Casa de Mouraz, Dão, Portugal
Torcuato Huertas Tomás, Viñas de Purulio, Marchal / Granada, Espanha.
Julián Ruiz, Esencia Rural, Castilla y la Mancha, Espanha
Ramón Saavedra, Bodegas Cauzón, Guadix/Granada, Espanha
Samuel Cano, Vinos Patio, Castilla y La Mancha, Espanha
Rodrigo Filipe, Vinhos Humus, Alvorninha, Portugal
Carlos Ruivo, Casa de Darei, Dão, Portugal
Manolo e Lorenzo Valenzuela, Barranco Oscuro, Sierra de la Contraviesa, Granada.
http://www.barrancooscuro.com/
João Menéres, Quinta do Romeu, Douro, Portugal
Fernando Paiva, Quinta da Palmirinha, Borba de Godim/ Vinhos Verdes, Portugal