Comida, Divagações

Pães de fermentação natural

Começou faz uns 6 anos. Quem olha hoje a cozinha da Enoteca não imagina que durante a maior parte da vida nós usamos um fogão caseiro de 6 bocas e não tínhamos forno – coifa então, nem pensar. Os pães, comprávamos de padeiros amigos. Eu fazia a receita e entregava para a padaria da esquina. Era um tal de misturar pedido, de chegar atrasado, de faltar o padeiro que sabia fazer minha receita e recebermos baguetes de queijo em vez de broas de milho.

Um dia, comecei a criar um levin tímido em casa – ainda morava num apartamento do lado do restaurante. Esse coitado morreu umas 5 vezes antes de eu pegar o jeito, daí levei pra Enoteca. Morreu mais algumas vezes até a cozinha se acostumar com o novo integrante.

Comecei a fazer alguns pães, e então trocamos os pães dos amigos padeiros pelos nossos, que ainda eram bem rudimentares na época, mas já dava um orgulho danado conseguir fazê-los. O primeiro sucesso foi o pão de casca de banana. Cascas de banana que iriam pro lixo, transformados em biomassa para massa de pão. Foi a vedete absoluta durante anos. Logo depois conhecemos o Sadi, que faz fubá de milho crioulo lá no Rio Grande do Sul. Moinho de pedra, sem canjicar – a farinha é integral, coisa rara no mundo do milho hoje em dia.

Comecei a testar pães com esse fubá, meio broa, meio pão. Então chegaram as primeiras levas de espelta no Brasil, e paramos de trabalhar com trigos comuns.

Nessa época eu ainda ficava o tempo inteiro dentro da cozinha. Lembro da minha alegria quando conseguimos fazer crosta no pão pela primeira vez, no forno combinado recém chegado. Mas a fumaceira foi tanta que cobriu o salão inteiro – e foi assim que descobrimos que seria preciso instalar uma coifa especial – e que custava metade do forno – antes de começar a usá-lo. Foram mais alguns meses até que a coifa chegasse. Chegou, e os pães ficaram melhores do que nunca. A alegria durou até o final daquele ano. E agora, o que fazemos com o levin, gente? Eu, inexperiente, a equipe toda de férias. Não tive dúvida, levei o levin comigo para a praia. Morreu de calor, coitado. Chegando em Sampa tive que começar do zero de novo.

Entra ano, sai ano, a equipe cresceu, e contratei gente que hoje é melhor do que eu na cozinha. Veio um padeiro/confeiteiro para a trupe. Chamei amigos para nos darem cursos e aprendermos mais sobre panificação natural. Começamos a desenvolver as nossas próprias receitas, ainda fora do imaginário corrente no Brasil. Só base de trigo antigo, sem usar trigos comuns – nem os orgânicos – usando farinhas alternativas como mandioca, inhame, fubá…. introduzindo todos os conceitos de reaproveitamento também nos pães. As cascas das bananas, as farinhas de leites de castanhas e coco, as borras de café.

Hoje um dos pães que mais faz sucesso na casa é o pão de fermentação natural com borras de café. A gente recolhe todas as borras de café que iriam para o lixo e guarda, para usar nos pães, bolos, doces, até fazer esfoliantes naturais, ajudar na fertilização da horta. Dizem que é bom substrato para cultivar cogumelos – ainda não tentamos, mas uma hora a gente também tenta.

Fazemos fornadas e muita gente encomenda os pães para levar pra casa. O que sobra a gente reutiliza em receitas, como pudim de pão dormido, ou fazemos farinha de rosca, que empana receitas e talvez vire cerveja na mão de outros amigos doidos que fermentam tudo.

É. Começou faz uns 6 anos. E tem gente que não entende porque de vez em quando, quando ainda levo uma fatia de pão na mesa, com aquela manteiguinha fermentada que fazemos lá mesmo também, o olho parece ficar meio marejado.

 

5/2/2020
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