Viagens

Naturebas Italianos e Eslovenos: Josko Gravner

Uhuuuu! Chegamos na Oslávia! Ok, tecnicamente cheguei, dei um oi pra ela, cruzei a fronteira com a Eslovênia e estou em Hum. E sim, esses vinhedos que vocês estão vendo aqui embaixo são nada mais nada menos que os vinhedos de Ribolla e de Merlot do Gravner. Parte dos vinhedos deles estão na Itália, parte na Eslovênia.

A região aqui da fronteira entre a Itália e a Eslovênia, o Collio, é com certeza uma das regiões mais interessantes para vinho – digo mais, de tudo o que já visitei no mundo, digo que não só é interessante, como imperdível para qualquer pessoa que gosta de vinhos. Produzindo vinho, a região tem história pra dar e vender, e bota coisa de mais de mil anos. Recentemente, passou por períodos políticos e sociais extremamente complexos, por conta das duas guerras, terremotos e geadas congelantes. Exemplo? Muita gente tem o avô que nasceu na Áustria ( pertencia ao império áustro-húngaro), pai que nasceu na Itália ( foi passado para território italiano ), ele nasceu na Iuguslávia ( depois da segunda guerra ) e os filhos nasceram na já Eslovênia. 

E isso sem sairem da mesma casa. Há inúmeras histórias de famílias que tiveram suas casas ou vinhedos divididos ao meio com as fronteiras, e não podiam passar livremente de um ponto a outro do quintal sem ter que atravessar a fronteira legal. Some o fato da Iuguslávia ter sido comunista, a Itália facista. A língua falada aqui, o esloveno, tem raíz eslava, mas a maioria também fala italiano ( muitas crianças aprenderam italiano vendo desenho animado na tv italiana ). 

O que a maioria diz é que o povo não se sente esloveno ou italiano, pois as fronteiras foram colocadas ali entre eles, e não ao contrário. No vinho, foi sempre uma região que fazia vinhos com uvas autóctones e com maceração ( antigamente esse era o jeito tradicional, afinal, a maceração ajuda na conservação do vinho ) – mas na década de 90 alguns vinhateiros começaram o movimento de retorno ao verdadeiro sentido do terroir: uvas, maceração, vinificação natural. 

Gravner obviamente é o guru de todo mundo, e hoje em dia muita gente tem ele como escola e como referência. É uma região que as pessoas bebem mais vinhos brancos do que tintos ( uhu! ) mas os poucos tintos produzidos pelos produtores de exceção são algo fora de série. É um terroir, se dos melhores o melhor para uvas brancas, muito generoso nas safras boas para os tintos: potentes, carnudos, elegantes, longevos. Convencido? Pois é. Pode vir pra cá na próxima viagem…. 

Uma das coisas mais interessantes é provar o vinho direto da cave.

São vinhos que estão lá aguardando o amadurecimento completo, muitas vezes ainda não estão prontos, muitas vezes depois serão mesclados. Ontem começou o engarrafamento da safra 08 de Ribolla. Enquanto isso, Josko fez um passeio conosco pela adega. Se em qualquer vinícola já é uma experiência interessante, aqui com ele vira algo fora de série. Ribollas novinhos, com apenas 2 anos de madeira ( geralmente fica 1 em ânfora e 6 em madeira ); safras ruizinhas que choveram demais, como a 2014; safras que as uvas vieram com muita maturação pois colheram bem tarde, e deixou os taninos e o açúcar tinindo; safras que a podridão nobre atacou o vinhedo. Safras de Pignolo que foram colhidas passificadas, e o vinho ficou doce. Barricas de carvalho de quando ele fazia vinho técnico, mas continuam lá, usadas. Barris de 6000litros. Barris de 1300litros. 

Tudo faz parte de uma história de anos, construída pouco a pouco sobre bases mais do que sólidas. De longe, Josko é uma das pessoas que mais transparece a grandeza, a sinceridade, a profundidade, a assertividade … e a extrema simplicidade dos seus vinhos. Pois no final, eles são simples, uma vez que são reflexos da natureza. Seus vinhos, como ele, tem algo que pode no começo intimidar um pouco. Mas depois apaixona. Como ele mesmo disse vinho bom não precisa de sommelier, pois combina com tudo. E eu digo o mesmo. Para pessoas também. Não adianta um vinho que se diz orgânico, bio, natural, se a pessoa não é. Josko é de longe uma das pessoas que mais se assemelha com seu próprio vinho. E agora eu vou ali no canto dar uma choradinha de alegria pela décima vez no dia, pois é realmente uma honra sem tamanho poder conhecer vinhos e pessoas como ele e sua família. 

Josko Gravner começou a fazer viticultura orgânica por um motivo simples: eles sempre comiam muitas uvas, e se você sabe o que se coloca nas uvas em uma agricultura convencional, não come nem a paulada.

 

A casa que estamos era da avó do Josko, e fica aqui em Hum, onde hoje é Eslovênia. Tem mais de 300 anos e foi construída pouco a pouco ao longo dos anos. Hoje só recebe amigos. A idéia da Mateja, filha do Josko, é talvez fazer dela uma “pousada”, um agroturismo, para quem quiser visitar a região e conhecer os vinhos. Tem que fazer. A casa é linda, faz parte da história da família e conheço muita gente que mataria um para se hospedar assim do ladinho das Ribollas! 

Hum! O vilarejo onde estão alguns vinhedos do Gravner; Merlot e Rebula, plantados na década de 90. A casa, da avó do Gravner, também foi reformada por eles nessa época.

Primeira noite, novidades na mesa. Tem Gravner safra nova chegando no Brasil. Esse é o 2007, que eles lançaram agora no mercado e está matador. Surpreendentemente feminino, floral, elegante, com uma delicadeza, uma fruta madurinha e um perfume que te arranca o coração do peito. Muito diferente das outras safras, a Mateja ( filha de Josko ) nos explicou que isso é muito importante para mostrar que a ânfora, ao contrário do que alguns dizem, não “padronifica” todos os vinhos. Claro, tem que saber fazer. Mas o vinho ainda vai ser feito da uva e da safra. Esse aqui ficou um ano em ânfora, macerando com as cascas a metade, e depois em madeira por mais 6 anos. Uau.
Um dia, experimentou o vinho de Ribolla que ele mesmo fazia ( e era premiado e reconhecido no mundo inteiro ) e percebeu que aquele vinho não tinha o mesmo gosto da UVA Ribolla. Da uva quando comia. Começou a fazer os vinhos com maceração e sem adição de leveduras: foi aí que começou a encontrar novamente o verdadeiro gosto da Ribolla no vinho. Segundo ele, a Ribolla é uma uva de casca grossa, e sem maceração, dá um vinho inexpressivo. Com muita, pesa. Ele começou a macerar 4 dias. Hoje são cerca de 6 meses.
A escolha das ânforas foi para poder manter os vinhos macerando por mais tempo, em ambiente fresco, sem ter que fazer controle de temperatura artificial. As ânforas são enterradas na terra, como fazem na Geórgia. Foi lá que Josko foi buscar as primeiras ( e das 11, 9 chegaram quebradas…. mas ele insistiu no assunto e trouxe outras). É a terra que vai dar o frescor e o balanço natural de temperatura. A cantina do Gravner não tem fundações que interrompem a continuidade do terreno, portanto, a terra continua fazendo suas trocas, está viva. Ou seja, o vinho está em contato com a terra da mesma maneira que a videira estava – não há a ruptura.

Essa é uma ânfora enterrada na terra, na cantina do Gravner. A tampa é granito, pois não absorve o vinho, como faria uma pedra normal. A ânfora por fora tem cal e areia, para selar, e dentro cera de abelha. Pra lavar, somente água quente……

Sonho de consumo de qualquer nerd do vinho: salinha de ânforas do Gravner. Como ele mesmo disse, a cantina reflete o vinhateiro. Não adianta ser só bonita se não for funcional. Como um carro: o design só permanece bonito ao longo dos anos se ele for funcional, se o carro for bom mesmo com o passar do tempo. 

Sem água não há vida. Partindo dessa premissa, Gravner construiu reservatórios de água perto dos vinhedos, para que insetos, rãs e outros tipos de bichinhos pudessem integrar o ambiente. Na foto, Matejaa, uma das filhas de Josko Gravner, nos vinhedos da Itália, Oslávia.

Essa é a Mateja Gravner, que nos recebeu e fez um super tour conosco pela região e pelos vinhedos deles. Aqui, uma curiosidade: a oratório da “madoninha” da Oslávia. Durante a guerra, os moradores fizeram uma promessa para a Madonna ( Nossa Senhora ) de construir um oratório pra ela caso sobrevivessem. A promessa deu certo, todos viveram……. Mas depois de um tempo quando tiveram que alargar a rua ( para passar carros ) o oratório foi pro beleléu. No local, onde hoje é um dos vinhedos e a casa da irmã da Mateja, Josko manteve a promessa das pessoas da Oslávia e reconstruiu um oratório para a Madoninha…… 

Pignolo é uma das variedades tintas típicas aqui da região. É com ela que o Gravner faz alguns vinhos tintos ( não entra na denominação de origem pois embora seja uma uva autóctone, não está permitida na denominação….. O doido é que algumas uvas que não são típicas da região são pemitidas ). É uma variedade selvagem, com temperamento forte. As uvas são pequenas, tem videira que dá cacho e outros não, muita produção não é sinônimo de má qualidade e vice-versa. É ela que ele escolheu para fazer os vinhos tintos. Ele vai pouco a pouco acabar com as variedades internacionais, como Merlot, e trabalhar apenas com variedades locais.

Adega onde repousam os bregs e os Ribollas……. Eles ficam cerca de um ano em ânfora e depois mais seis anos em tonéis de 6000 l. Hoje vai ser engarrafado, daqui a pouquinho, a safra 2008!! 

A casa que Josko mora hoje é uma das antigas casas da família. Na primeira guerra, como foi a única na região que não foi destruída, serviu como hospital para os feridos…. 

Rosso Breg ( Pignolo ) e Ribolla. No prato, linguiças que o próprio Gravner fez, com um porco que eles compraram inteiro e depois fizeram linguiças, pancettas, lardo………………

Último ano de maceração em madeira, primeiro ano de maceração em ânfora. 2000 e 2001. 

Degustação de dois Bregs para o almoço: 2000, último ano que ele macerava só em barril e 2001, primeiro ano que ele começou a macerar em ânfora. Mesmo a 01 sendo uma safra pior, achei o vinho mais produndo que o 00. Embora os dois, obviamente, estivessem maravilhosos. Pra abrir o apetite, o Ribolla 08 recém engarrafado: jovenzito, agitado, ainda precisando descansar em garrafa, mas já delicioso. Breg, por aqui, significa “vinhedo plantado em colina, com exposição ao sul”. É como o Bricco, em outros lugares da Itália. O Breg do Gravner é uma assemblage de Sauvignon, Chardonnay, Pinot Griggio e Riesling Itálico. É, Riesling Itálico, minha gente.

Vinhedos de Ribolla Gialla.

Enquanto estávamos lá, eles estavam engarrafando alguns vinhos da safra 2008.

Demorou alguns dias pra cair a ficha de quão importante foi para nós esses dias junto com eles. Ter a oportunidade de aprender um pouco mais sobre a região e sobre os vinhos dali com um dos papas do negócio é de emocionar qualquer cristão. Tanto o Josko quanto a Marija – sua esposa – e a Mateja, sua filha, nos fizeram degustar tudo, ver tudo, nos incentivaram a ir em todas as outras adegas e provar todos os outros vinhos do território. 

Levamos na mala alguns vinhos brazuca laranjas, de maceração, para eles provarem. Quando Josko esteve no Brasil, já nos arriscamos e fizemos eles provarem algumas coisas, para mostrar o que o Brazilzão estava fazendo em vinhos naturebas e laranjas. Pra nossa imensa surpresa, ele adorou – com os defeitos e qualidade de cada um…..

… e eu não vejo a hora de voltar pro Collio! rs

24/10/2015
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